Tenho uma preocupação sempre que usamos a palavra propósito. Ela foi tão repetida nos últimos anos que, muitas vezes, acabou banalizada, transformada em slogan ou em discurso inspiracional que não conecta com a realidade.
Por isso, quero propor aqui uma reflexão: como não banalizar esse tema e, ao contrário, tratá-lo com aquilo que realmente nos toca?
A pandemia nos obrigou a olhar para dentro. Passamos mais tempo em casa, conectados à família, percebendo o impacto da reclusão em nossa saúde mental e emocional. Na retomada do trabalho presencial ou híbrido, ficou ainda mais evidente que não dá para separar quem somos do que fazemos. O propósito pessoal precisa, de alguma forma, estar alinhado ao propósito da empresa, caso contrário, o dia a dia se transforma em um fardo.
Propósito como estratégia de negócio
No ambiente corporativo, o propósito deixou de ser apenas um discurso e passou a ser também uma estratégia de negócio. Empresas que têm clareza do seu “porquê” e conseguem comunicá-lo de forma consistente não apenas atraem, mas também retêm os melhores talentos.
O State of the Global Workplace: 2023 Report da Gallup (https://www.gallup.com/workplace/349484/state-of-the-global-workplace.aspx), da Gallup, mostrou que apenas 21% dos profissionais se sentem engajados globalmente. Um dos principais motivos é justamente a falta de sentido no trabalho. Quando o colaborador enxerga valor no que faz, ele é mais produtivo e tende a permanecer por mais tempo na organização. Em um mercado competitivo e de escassez de talentos (como o de tecnologia) isso deixa de ser detalhe e passa a ser diferencial.
Da estratégia à prática diária
Ter um propósito bem definido no papel não basta. Se ele não se traduz em atitudes, processos e decisões, perde força e mina a confiança do time.
O propósito só ganha vida quando se reflete na prática. Uma empresa que diz valorizar inovação, mas pune excessivamente o erro, comunica o oposto do que defende. Já aquela que incentiva testes, compartilha aprendizados e reconhece ideias, mesmo que não tenham dado certo, mostra que inovação faz parte do seu DNA.
Pilares para transformar propósito em cultura
- Recrutamento e seleção como filtro de propósito – Contratar é mais do que avaliar competências técnicas: é também garantir alinhamento de valores. Isso cria times que já chegam conectados com o “porquê” da empresa.
- Onboarding que conta histórias, não apenas processos – Mais do que explicar regras e sistemas, a integração deve mostrar, com exemplos reais, como os valores acontecem na prática. Isso cria vínculo desde o primeiro contato.
- Rituais que reforçam identidade – Reuniões semanais, celebrações de conquistas ou rituais internos são símbolos culturais que transformam a rotina em algo com significado.
- Liderança como espelho – Pessoas não seguem discursos, seguem exemplos. Líderes que vivem os valores no dia a dia são o elo mais forte entre a visão da empresa e o time.
O elo entre propósito individual e organizacional
Engajamento verdadeiro acontece quando cada pessoa entende como o seu trabalho contribui para algo maior. E essa conexão é papel da liderança.
- O analista de TI que percebe que seu código melhora a experiência do cliente.
- O profissional financeiro que entende que seu controle garante a sustentabilidade da empresa e a segurança de todos.
- O gerente de projetos que conecta entregas técnicas a objetivos estratégicos.
Quando cada papel é visto como parte de um todo, engajamento deixa de ser uma obrigação e passa a ser consequência.
Propósito como norte em tempos de mudança
Vivemos um mundo corporativo marcado por volatilidade e transformações constantes. Estratégias mudam, mercados oscilam. Mas quando o propósito é claro, ele funciona como bússola: guia decisões difíceis, atrai talentos alinhados e mantém o time coeso mesmo em momentos de incerteza.
Alinhar o propósito à rotina não é tarefa de um único departamento, é um movimento sistêmico. Exige consistência entre discurso e prática, intencionalidade nos processos e, acima de tudo, líderes que transformam palavras em exemplos.
Elizabeth Vasconcelos
Sócia Diretora na Verx