Toda ciência, método e tecnologia conta com seus casos clássicos de imprecisões conceituais, impropriedades de termos, amadorismos e até pequenas malandragens. Neste breve artigo falarei de algumas do mundo lean-ágil.
– “Histórias” em vez de “estórias”
Pode parecer um detalhe, mas é sempre melhor usar o termo certo do que o errado, não é? O artefato “user story”, ou simplesmente “story”, é algumas vezes traduzido por aí como “história”. Se fosse “history”, seria de fato “história”, mas como é “story”, então a tradução correta correspondente é “estória”.
Muito agilista famosinho por aí vive falando de “história”… Cuidado com eles!
– O “Kanban do meu Scrum”
O sistema Kanban, considerado um método ágil, conta com um quadro de comunicação onde o fluxo e a situação dos itens que estão sendo trabalhados podem ser visualizados. O Scrum conta também com um quadro muito parecido, mas este não tem nada a ver com Kanban. No caso do Scrum, devemos usar outro nome, como taskboard, quadro do projeto, quadro de gestão à vista ou algo similar, mas nunca “Kanban”.
Note que eu citei que o quadro do Kanban é muito parecido, mas não é o mesmo, pois no sistema Kanban cada passo do fluxo (ou seja, cada coluna) tem seu WIP (work in process) limitado, o que inclusive deve constar no quadro, debaixo do título de cada coluna. No Scrum não há esta limitação, pois trabalha-se com sprints.
– “Lean-isto”, “lean-aquilo”
O “lean” tem sido usado como termo “gourmetizador” de métodos… Já fizeram isto com “canvas”, “digital” e tantos outros, geralmente em idioma inglês, é claro.
De fato, falar em “digital transformation” soa mais impactante do que “transformation” ou “transformação” e “project canvas” parece mais sofisticado do que “quadro do projeto”. Parece hoje em dia que se algo não for digital não é inovador e que palavras comuns como quadro ou cartaz não representam nada de bom nem moderno.
No caso do “lean”, vemos por aí “lean change management” e “lean inception”, por exemplo. Mas fique atento: “lean change management” não é uma abordagem para apoiar uma mudança organizacional rumo ao “lean”, mas sim está mais para uma forma de gerenciar mudanças organizacionais em geral de forma “lean”, ou seja, de forma esbelta. Percebeu a diferença? No caso de “lean inception”, trata-se de uma espécie de composição de visão do projeto com foco na definição de um MVP (minimum valuable product), o que tem a ver com “lean” indiretamente.
O próprio termo “lean-ágil”, dependendo de como for usado, pode tratar-se de uma leviana “gourmertização” do ágil. O ágil tem convergência com o “lean”, mas adotar o ágil simplesmente não é adotar o “lean” na sua plenitude. Sejamos cautelosos com estes joguinhos de palavras poderosas.
– “Ágil” como sinônimo de “rápido”
Muitos termos no ágil parece que foram cunhados para gerar confusão (“velocidade do sprint”, “PMO ágil”, “estória de usuário”, “release burndown”…). Nos exemplos que citei, se falássemos em “produtividade do sprint”, “facilitador ágil”, “detalhamento de necessidade de usuário” e “project burndown” creio que ficaria mais fácil entender certas coisas, embora ainda não sejam termos que expressem exatamente do que se trata…
Mas o grande vilão é exatamente o termo “ágil”. A abordagem “ágil” deveria na verdade se chamar “flexível” ou “adaptativa”, para não gerar confusão com “rápido”. O conceito de agilidade tem a ver com capacidade de adaptação mais fácil a mudanças. Podemos ter uma equipe ágil que não é veloz – ela é mais adaptativa e entrega mais cedo do que se utilizasse “waterfall”, mas entregar mais cedo não significa entregar mais rápido! Da mesma forma, podemos ter uma equipe super ligeira nos trabalhos, mas se ela entregar tudo no final, e não em iterações, não estará sendo ágil. Percebe?
E você, já se deparou com alguma outra barrigada metodológica por aí?
Autor:
Roberto Pina Rizzo
MSc, PMP, PMI-ACP, SAFe Agilist